sexta-feira, 23 de maio de 2014

NEM TUDO É NATURAL, APENAS NORMAL


A história ensina que as palavras ao longo do tempo vão perdendo sentidos, e agregando outros, fruto de valores extrínsecos que tendem a transformações etnológicas do momento – tudo bem natural. Então, como não poderia ser diferente, o contexto das vivências também interfere diretamente no significado das palavras pronunciadas e nos significados absorvidos, gerando reações adversas (incertas) num mundo relativista e com percepções individualistas.

A leitura de cenário do cotidiano da existência urbana, que está em constate mutação, brinda a presente época com um dualismo nada dialético entre o que é normal e o que é natural. Na busca por definições, significados, sentidos e percepções interlineares no diálogo humano, fazem-se necessário arrazoar entre o que é natural e o que se torna normal, na construção do ser humano contemporâneo.

Natural ou normal – duas possibilidades existenciais. No primeiro caminho, o natural, perpassa conceitos do tipo: espontâneo, ingênito, peculiar, verdadeiro e simples. Contrariamente, o atalho nomeado de normal tangencia algo do tipo: conforme à norma ou à regra comum, que serve de regra, de modelo, algo habitual e ordinário. Ou seja, é bem provável que se consiga ser normal, sem ser natural. Sendo o inverso igualmente verdadeiro e possível. Seria preferível, ao menos desejável, que se viva na atmosfera do natural, porém existir na redoma do normal é mais aceitável, pelo menos para os padrões atuais.

No presente processo de modernização, de gente citadina, o discurso é de aceitação da normalidade. Morte, destruição, terror, violência, destruição, corrupção, desrespeito – tudo ficou tão normal que nem mais gera reação nos espectadores da vida. Não é que perdemos a força por lutar, é que tais mazelas se tornaram normais. Não é que tenhamos desistido, é que fazemos parte dos horrores do cotidiano. E, não é que abafamos a esperança, é que viver se tornou uma atitude normal.

Distante das normalidades, como que numa resistência silenciosa, percebe-se aquilo que é natural. Amar, ajudar, socorrer, ombrear, olhar, sentir, brincar, sorrir, parar, questionar, respirar, desculpar – tudo tão inexplicavelmente natural que causa estranheza nas rotineiras vidas artificiais. Nascemos com o dom da naturalidade, porém somos adestrados para sermos normais. Neste processo despedagógico perde-se no percurso o que é importante e faz-se agarrar àquilo que é urgente. Dali sustenta nossas histórias que, enfim, se contenta em descolorir (desbotar) a naturalidade.

A bem da verdade, quase tudo o que fazemos hoje se encaixa no âmbito das normalidades. Isto significa ter que admitir que a sociedade atual apenas reproduz um padrão de conduta normal que vem passando por um processo paradoxal de metamorfose intelectual e sentimental – uma desconstrução inevitável do ridículo natural. Isto é normal na história, mas indiscriminadamente não é natural. Por esta razão, é normal não fazer o que é natural, pois naturalmente somos normais.

[por Vinicius Seabra | escrito no outono de 2007]

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