quinta-feira, 25 de junho de 2015

DESERTO DE TIJOLOS


Flores de plástico, água tratada, pássaros entalhados
Tudo, de repente, virou artificial.
Não há mais vida, apenas tijolos emoldurados.

Onça pintada, pintada, e, micos leões dourados, desbotados
Sei que um dia tudo já teve mais cores.
Não há mais vida, apenas tijolos emoldurados.

Carne de açougue, alface do verdurão, manga da prateleira
Já tivemos dias mais perto da natureza.
Não há mais vida, apenas tijolos emoldurados.

Suco em pó, macarrão instantâneo, salgadinhos com aromas
Sei que um dia tudo já foi menos sofisticado.
Não há mais vida, apenas tijolos emoldurados.

Canções sem instrumentistas, tamborins desocupados
Até parece que desumanizaram nossos barulhos.
Não há mais vida, apenas tijolos emoldurados.

Virtualidade ao clique do delete, então, intentos apagados
Houve dias que tínhamos medo de errar.
Não há mais vida, apenas tijolos emoldurados.

Gente em pixels, terror do outro lado da tela, distantes
Teve dias em que as notícias nos afetavam.
Não há mais vida, apenas tijolos emoldurados.

[por Vinicius Seabra | escrito no outono de 2015]

sábado, 6 de junho de 2015

CÁLICE


Pai, afasta de mim este cálice!
Afasta-se de mim com este cálice!
É para mim este cálice?
Pai?!

Pai, afasta de mim este cálice!
Cálice de meu pai.
Pai que pode afastar de mim.
A mim?

Pai, afasta de mim este cálice!
Não quero cálice,
Já tenho vários cálices do pai
Cálice...

Pai, afasta de mim este cálice!
Tenho pai, tenho cálice,
Tenho a mim, tenho este,
Afaste-se!

Pai, afasta de mim este cálice
Perto de mim, cálice...
Longe do pai, cálice...
Cale-se.

[por Vinicius Seabra | escrito no outono de 2015]